Países como Egito, Argentina e China não concederam a patente à Gilead e produzem os genéricos. Outros países, como o Chile, estudam quebrar a patente (licenciamento compulsório) do sofosbuvir.
O ministério da Saúde afirmou que não havia sido informado oficialmente sobre a concessão da patente e que o processo de compra vai seguir os procedimentos previstos na lei de licitações.
O Ministério da Saúde anunciou um plano para eliminar a hepatite C até 2030, e o SUS passou a tratar todos os pacientes com os novos antivirais, e não apenas os doentes mais graves.
Mas o tratamento que usa o sofosbuvir chega a custar R$ 35 mil por paciente no Brasil, o que limita o número de pessoas tratadas. O convênio BMK, entre Farmanguinhos-Fiocruz, Blanver e Microbiológica Química e Farmacêutica, obteve registro da Anvisa para fabricar o sofosbuvir genérico.
Em reunião no início de julho no Ministério da Saúde, a Gilead ofereceu o sofosbuvir a US$ 34,32 (R$ 140,40) por comprimido, e a Farmanguinhos ofertou o genérico a US$ 8,50 (R$ 34,80). Hoje, o ministério paga US$ 6.905 (R$ 28.241) pela combinação sofosbuvir e daclatasvir de marca.
Com a nova proposta, o governo passaria a pagar US$ 1.506 (R$ 6.160), com a Fiocruz e a Bristol. Dada a meta de tratar 50 mil pessoas em 2019, isso significaria uma economia de US$ 269.961.859 (R$ 1,1 bilhão) em relação aos gastos com a combinação sem o genérico.
O departamento de hepatites do ministério solicitou em agosto a compra do medicamento mais barato com urgência. Por causa de contestações de farmacêuticas, não foi feita a aquisição, e o estoque de vários antivirais no SUS acabou há meses. Há fila de 12 mil pacientes, e muitos esperam há mais de seis meses.
A Gilead já faturou US$ 55 bilhões desde 2015 com seus remédios contra hepatite C. Quando foi lançado, um comprimido do sofosbuvir custava US$ 84 mil. O custo de produção fica abaixo de US$ 10.
No dia 28 de agosto, sob pressão dos genéricos, a Gilead enviou uma carta ao ministério da Saúde oferecendo uma combinação de medicamentos para tratamento de hepatite C a preços inferiores a das combinações usando genéricos. Mas agora que conseguiu a patente, a empresa pode aumentar o preço, porque não há mais a opção dos genéricos. Procurados, a Gilead e o ministério da Saúde não haviam respondido a pedido de entrevista até o fechamento desta edição.
A Fiocruz disse ter recebido “com surpresa” a decisão do INPI.
“A decisão contraria os argumentos apresentados no subsídio ao exame por Farmanguinhos/Fiocruz, que entende que o pedido não apresenta os requisitos de patenteabilidade, ou seja, novidade e atividade inventiva”, disse a Fiocruz em nota.
A empresa afirma que estaria apta a fornecer os medicamentos por um quarto do valor atualmente cobrado do Ministério da Saúde. E ainda não definiu se vai recorrer da decisão. “Na prática, caso haja a concessão da patente, em caráter definitivo, a empresa americana garantirá exclusividade de produção e monopólio da comercialização no país.”Dos 126 pedidos de patente feitos pela Gilead ao INPI, 124 foram rejeitados e dois estavam em análise e acabam de ser aprovados.
Segundo Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho em Propriedade Intelectual, o INPI indicava uma decisão negativa em relação à patente da Gilead, mas mudou subitamente de curso este ano. Em setembro do ano passado, um parecer do órgão questionava os pedidos da Gilead.
“É uma decisão desastrosa que mantém o Brasil preso à ganância da Gilead’, disse Villardi.
Segundo o instituto, o parecer desta terça-feira (18/09) “foi elaborado após as manifestações de terceiros (13 no total, incluindo empresas, órgãos de governo e entidades da sociedade civil), dois pareceres do INPI, contra argumentações e ajustes do solicitante”. O órgão afirma ser comum a existência de mais de um parecer.